O ANARQUISMO NA HISTÓRIA DE PORTUGAL

A SITUAÇÃO DIFICIL DE HOJE

 

Hoje Portugal, perfeitamente inserido no quadro do capitalismo europeu e membro da EU, não tem mais um "movimento anarquista", embora pequeno, como em Espanha e Itália: deve-se falar de grupinhos anarquistas espalhados sem uma coordenação efectiva entre eles.

A situação geral fica mais difícil do que na altura de Salazar, porque o país - cheio de contradições e mal-estares sociais; um dos mais pobres da União Europeia, cujos salários são a metade dos espanhóis - aparece céptico, pouco animado por esperanças de mudanças, arranja-se, vive e está dominado, além do capitalismo, pelas famigeradas três "efe": Fátima, fado e futebol.

Em 1976 foi recriada a Federação Anarquista da Região Portuguesa (FARP), impulsores o grupo de Almada e revista A Ideia, com alvos ambiciosos, mas nos anos 1978 e 1979 por contradições internas deixou de ser activa. Em concorrência com a FARP surgiu a Aliança Libertária e Anarco-sindicalista (ALAS) que actuou muito pela difusão de A Batalha. Dalguma notoriedade gozaram os jovens - um pouco freelancers - que publicaram periódicos pungentes e corrosivos como A Merda e Coice de Mula. Outras publicações tiveram vida breve e destes sobrevive Acção Directa.

Hoje os poucos anarquistas estão na maioria em Lisboa, Porto, Coimbra, Setúbal, Cascais, Alentejo, Leiria. Há bibliotecas, centro culturais e algumas livrarias. Em Lisboa existem o Centro de Estudos Libertários com o colectivo editorial de A Batalha, e a Biblioteca de Operários e Empregados da Sociedade Geral. Continuam a obrar núcleos da FAI, como o Centro de Cultura Libertária de Almada, em Cacilhas (Francisco Quintal foi um dos fundadores, do dito), e o grupo do periódico Acção Directa, ligado à AIT.

O campo de actividade dos grupinhos anarquistas consiste essencialmente na propaganda das ideias libertárias; nas iniciativas culturais, ecologistas e anti-nucleares; no apoio à Amnesty Internacional, na conservação da memória histórica dos protagonistas e das acções de quando o anarquismo ibérico tinha outra consistência e suscitava medo na burguesia.

Algumas tendências "modernistas" do anarquismo português produziram iniciativas reformistas, alheias a uma real perspectiva anti-sistema e de classe, como o Manifesto Libertário de 1987, expressão dum neo-anarquismo que (aos olhos de quem escreve, fazendo parte duma organização comunista anarquista) pela falta de raízes de classe corre o risco de fazer a extremíssima esquerda não autoritária da democracia liberal. Não faltaram as vozes contrárias como a do grupo Vermelho e Preto da FAI.

Nesta situação - onde os anarquistas ficam sem enraizamento entre os trabalhadores organizados e não existe, ainda por cima, um sindicalismo de base, capaz de ser a ribeira daqueles anarquistas que não queiram abandonar as posições tradicionais - aparece muito diluída a militância colectiva, de maneira que o moderno meio anarquista português actua um individualismo não socializado que faz da opção anarquista um facto existencial.

Faltando estruturas colectivas libertariamente organizadas, remedeia-se através de realidades allo stato diffuso. Não há actividade nenhuma dos anarquistas dentro dos sindicatos burocráticos, como pelo contrário, acontece na Itália.

Há também outros factores que contribuem à dispersão dos anarquista, e Lisboa é emblemática neste sentido, com a sua forte urbanização fora dos velhos limites da cidade antiga e o despovoamento de bairros populares do centro histórico.

No passado tudo era mais fácil, existindo bairros operários e populares onde geralmente se trabalhava e vivia. As mudanças do segundo após-guerra incidiram de maneira pesada numa realidade, como a anarquista, já espalhada. Ademais, nos países capitalistas o consumismo dominante penetrou também dentro do imaginário colectivo dos povos - incluindo proletariado e pequena burguesia, que só aparentemente é burguesia, mas na realidade fica semiproletarizada. 

Assim, os germes da sociedade do espectáculo, da regressão cultural, da perda de consciência de ser cidadãos e não súbditos, da falta de desejos e esperanças num renovamento radical da sociedade, dominam soberanos.

E embora se manifestem fermentos de rebelião ou um desagrado difuso dos quais não se vem os êxitos, não estamos em nada perto duma revolução social. Isto quer dizer quer os revolucionários deverão trabalhar por muito, muito tempo partindo de abaixo de zero, sem ver a concretização de nada pelo menos os desta geração.

Mas o anarquismo português deve encarar o problema da insuficiência de enraizamento das ideias libertárias na sociedade lusitana começando a fazer frutificar o que há e amiúde se esquece. Refiro-me ao facto de existir um "depósito" potencial feito por individualidades de orientação anarquista ou geralmente libertária que não acham pontos de referência ou agregação e nem se conhecem entre eles, e se limitam à leitura de periódicos e livros anarquistas, ou falam dum anarquismo que não conhecem bem. O problema é saber sair à rua, actuar entre a gente. 

O futuro não é cognoscível, mas cedo ou tarde os anarquistas portugueses - herdeiros dum património glorioso - deverão, gostassem ou não, fazer as contas com dois factores (é sempre um comunista anarquista a falar):

Com os anarquistas … seria melhor.


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